Autores | Marcelo Leonardo Cristiano e Guilherme Cinti Allevato, sócio e advogado associado do escritório Fraga, Bekierman & Cristiano Advogados |

 

Em 30/06/2016, foi promulgada a Lei 13.303/2016, estabelecendo normas sobre regime societário, governança corporativa, licitações, contratos administrativos e para exercício da fiscalização pela sociedade e pelo Estado, a serem adotadas para as empresas públicas e sociedades de economia mista pertencentes à União, ao Distrito Federal e a todos os Estados e Municípios brasileiros.

De acordo com o caput do Art. 1°, referida lei – também conhecida como “Lei das Estatais” – se aplica indistintamente tanto para empresas estatais que exercem atividades econômicas, como para as prestadoras de serviços públicos e aquelas que se encontram sujeitas a regime de monopólio da União. Logo, vale a norma para todas e quaisquer estatais.

Com relação à sua vigência e eficácia, a nova lei foi construída com base em duas preocupações: (i) evitar, de imediato, a criação de novas estatais em descompasso com as regras da Lei 13.303/2016, razão pela qual foi definido que a aludida norma entrasse em vigor na data de sua publicação (01/07/2016); e (ii) garantir a adaptação e segurança jurídica para estatais já constituídas e em operação, sendo estabelecido período de transição de 24 (vinte e quatro) meses para retardar a produção de efeitos da nova norma em tais casos.

Embora seja compreensível que a Lei das Estatais tenha estabelecido tal período de adaptação, carece a referida norma de uma previsão acerca das consequências e/ou sanções para as empresas que se adequarem intempestivamente ao novo diploma, bem como para os casos de atrasos justificados e concessão de eventuais prorrogações.

Outra norma de transição que chama atenção na parte geral da Lei 13.303/2016 se encontra nos §§ 1° a 4° do seu Art. 1°. Segundo as aludidas disposições legais, em regra geral, à exceção de alguns artigos, as normas do Título I da Lei 13.303/2016 – que versa sobre regime societário e governança corporativa – não se aplicam às estatais que, em conjunto com suas subsidiárias, apresentem receita operacional bruta, no exercício social anterior, menor do que R$ 90.000.000,00 (noventa milhões de reais). Para tais empresas, admite-se, inclusive, que o Poder Executivo responsável edite atos que estabeleçam regras de governança próprias, desde que não contrariem as disposições gerais da Lei das Estatais. No entanto, deve referido ato ser editado no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados a partir de 01/07/2016. Do contrário, ditas estatais serão regidas integralmente pelas normas de governança fixadas pela Lei 13.303/2016, extinguindo-se a situação de exceção.

Além disso, com o objetivo de estabelecer uma nova governança nas estatais, a lei veda o acesso de certas pessoas aos cargos de gestão (Conselho de Administração e Diretoria), tais como: representantes de órgão regulador com atuação sobre a estatal; titulares de cargos eletivos; dirigentes de partidos políticos; pessoas envolvidas em campanhas eleitorais/sindicatos; quem tenha contratado com a estatal ou seu ente controlador há menos de 3 (três) anos da data da nomeação; além daqueles que possuam interesse conflitante com os da estatal e/ou do ente controlador. Com vistas a garantir transparência, a Lei 13.303/2016 ainda criou a figura do conselheiro independente, despido de vínculos com autoridades e com a própria estatal.

Nesta senda, cumpre citar que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já lançou mão da Lei das Estatais, no caso concreto, quando decidiu vetar a indicação do Sr. Giles Azevedo ao cargo de conselheiro da companhia elétrica Light, vinculada ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, haja vista que, há menos de 36 (trinta e seis) meses da data de sua nomeação, o mesmo havia participado da organização campanha eleitoral da ex-presidente Dilma Rousseff.

Apesar da falta de alterações substanciais em sede de contratos públicos, no âmbito das licitações foram introduzidas alterações relevantes, dentre as quais: (i) previsão expressa do dever de licitar para gravar bens das estatais com ônus reais; e (ii) impedimento de licitar para sócios e administradores de estatais que outrora tenham integrado os quadros de outras empresas (estatais ou privadas) suspensas, impedidas ou declaradas inidôneas.

Em termos de fiscalização, vê-se na Lei 13.303/2016 a criação de regras que buscam efetivar o já disposto na Lei 12.846/2013 (“Lei Anticorrupção”), uma vez que permite, aos órgãos de controle externo e interno de todas as esferas federativas, acesso irrestrito a documentos e informações das estatais, independente de sigilo. Ademais, informações completas sobre contratos e orçamentos deverão ser disponibilizadas, pelas estatais ao público em geral, mensalmente, via internet, tolerados atrasos de, no máximo, 2 (dois) meses.

Por fim, fica a União proibida de transferir recursos voluntariamente para o Distrito Federal, Estados e Municípios, caso estes deixem de fornecer informações de suas estatais ao Registro Público de Empresas Mercantis.

Em linhas gerais, identifica-se, na Lei 13.303/2016, uma tentativa de adoção de critérios mais rigorosos de transparência e governança, alinhados com o cenário atual, em que o combate às más práticas passou a ocupar lugar prioritário nas pautas de assuntos públicos do país. Todavia, a sua eficácia e êxito dependerão primordialmente da vontade dos agentes públicos das diferentes esferas de governo de aplicar as novas disposições legais, em especial, no que concerne às questões de fiscalização.